A Magnífica História de Jonathas Carruthers - Parte 2

Faria sentido encerrar tudo, fechar a conta, como se diz, não fossem as memórias que se propusera a escrever em conversa recente a esse mesmo amigo que por algum motivo demonstrara profundo interesse por esta história tão indigna de adjetivos e, paradoxalmente, tão cheia deles que faria vexar uma capa dura do Houaiss em pessoa. De qualquer forma não lhe parecia adequado continuar jogando fora os papéis de misto quente, e as lembranças, estes demônios devoradores de almas bem saberiam devorar-lhe o pâncreas não fossem as tangerinas falantes do almoço.

Resolveu então contratar um ghost-writer, ignorando no entanto que este ghost-writer era, por um desses desatinos universais, um indivíduo idêntico a ele próprio em todos os aspectos de sua história pessoal, bem como tão molecularmente síncrono que dir-se-ia talvez o seu próprio molde Divino, de forma que para todos os efeitos o consideraremos ter sido ele próprio a escrevê-lo. Este parágrafo poderia obviamente ter sido apagado para fins de coesão, entretanto o mantemos por um compromisso de fidelidade ao leitor, pois um idêntico não é, afinal, o mesmo. Sigamos, portanto, como se nada tivesse acontecido.

Enfrentamos aqui um outro problema de método. Uma vez que aquele que vos fala não é o Jonathas Carruthers em pessoa, não poderemos chamar este volume de uma “Memórias de Jonathas Carruthers”. Encontrarão no máximo, se assim posso me expressar (e, de fato, eu posso) uma “Memória das Memórias de Jonathas Carruthers”. Acredito que assim estarei mais perto da verdade, uma vez que a verdade de um homem é frequentemente uma mentira, e a mentira de uma verdade será, frequentemente, uma verdade irrefutável.

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