Sobre a arte de curtir

Não parece gratuito que o verbo "curtir" seja hoje mais usado com a significação de um vulgar clique de mouse, mero link entre postador e curtidor, relação de aprovação social sem grandes comprometimentos, do que com seu primo mais antigo, sinônimo de fruição estética ou de outras ordens .
Em tempos hodiernos, a fruição, o curtir propriamente dito, dá lugar à contínua interação homem-máquina, em que a noção de prazer se submete à da imersão. No curto prazo, observo que quem pratica o facebookear não parece extrair disso nenhuma recompensa digna de nota, a não ser aquelas que a própria interface oferece e reconhece como tal num sentido um tanto quanto behaviorista. Ou, para colocar em outros termos, à vezes eu me sinto como aquele ratinho de laboratório que eles viciaram em cocaína. "Clique aqui para ganhar um injeção de prazer em seu cerebelo". Exemplarmente, será o número de respostas no canto superior esquerdo da tela que nos dará conta do grau de reconhecimento que terão nossas postagens, e não o entendimento subjetivo, íntimo, que possamos ter das mesmas.
Os curtires, comentários, número de amigos, compartilhamentos etc, bem como os inúmeros jogos classificativos, são apenas algumas das formas de recompensa social eletrônica que o facebook proporcional de forma impessoal e automática, como o clique do mouse que damos em alguém apenas para recebê-lo de volta.
O facebook entra aqui como exemplo, sintoma de uma síndrome que considero mais ampla. Acredito que nossa sociedade vem perdendo a capacidade contemplar, deixar o tempo passar, relaxar e sentir o espírito vibrar em sintonia com a natureza, a cidade, a palavra, a arte.
Quando conversamos, antes que o interlocutor termine a sua fala, já estamos ansiosos, com nossas respostas na ponta da língua, prontos para desviar o assunto para terreno impróprio, onde podemos expôr nossos próprios pontos de vista, disputando eternamente um palco que criamos mentalmente. Não sabemos apreciar o silêncio entre uma fala e outra, onde tanta coisa bela pode surgir, onde o éter vibra e deixa calar nossas inquietações, sugerindo novos rumos e idéias para aquilo que parecia tão difícil à primeira vista.
Quando pensamos, o fazemos intensamente, não dando à mente descanso, o tempo para o surgimento da idéia, a iluminação súbita - enganchamos um pensamento no outro, fazendo uma corrente fechada que percorre a si mesma, ensejando condições obcecadas e doentias.
Quando nos sentamos para curtir uma obra de arte, seja ela uma peça de teatro, show musical ou um filme de cinema, estas pensamentos em corrente não nos abandonam e nos impedem a entrega total. Da mesma forma, vemos pessoas irritadas mesmo diante do mais belo espetáculo da natureza, incapazes de sentir o ar puro de uma floresta e se entregar à contemplação da criaçao de Deus.
Ou simplesmente sentar numa cadeira de balanço e se deixar balançar um pouco, sentindo que dessa vez o tempo não precisa passar tão depressa...