Porquê Não Vou Mais Ao Cinema

Já falei anteriormente sobre a perda da arte de curtir, da dificuldade hodierna em calar-se para permitir a entrega total no ato da contemplação. Para mim, que amo o cinema, a experiência de assistir aos filmes em sua versão original - na tela grande - é a primeira baixa. Antigamente, a conversa era um ruído estranho que cabia às vezes suportar, às vezes suprimir pela reclamação, de forma mais ou menos educada, de acordo com o nosso humor e o tamanho da deselegância do indivíduo. Claro que sempre há aqueles filmes que são feitos para isso mesmo, as comédias adolescentes, os filmes de ação etc. No caso dos últimos, o som é tão alto que não tem conversa que estrague. Mas com o passar do tempo o que era um fenômeno irritante passou a ser a regra. Hoje os conversantes, uma vez chamados à atenção, rebatem, ofendidos. Defendem um direito que consideram justo! De fato, algo aconteceu que eu não acompanhei. Estou agora convicto de que, para a esmagadora maioria dos frequentadores dos cinemas de Salvador, a conversa se tornou o prato principal. A conversa é, efetivamente, o motivo pelo qual se vai ao cinema!
É para isso que as hordas de gente de todas as idades saem de suas casas todos os finais de semana pagando ingressos caríssimos (pois não me refiro apenas aos estudantes) para lotar os multiplexes dos Shopping Centeres e mesmo as Salas de Arte da cidade. Comportam-se como quem assiste a uma novela ou a um filme na televisão. Sentem-se donos do processo e querem relatá-lo a todo momento, à maneira de papagaios, como se fossem os únicos a presenciá-lo, isto quando não fogem totalmente ao assunto e passam ao registro do dia-a-dia ou ao conversê no celular. Já dediquei-me antes a analisar o processo psíquico, comunicacional, social que produziria este efeito. Não mais. Serei curto e grosso: estamos nos asselvajando.
A grande verdade é que as hordas não estão mais chegando: elas já chegaram e tomaram conta dos cinemas. A quem serve educar os imbecis? O dinheiro de um analfabeto cinematográfico vale tanto quanto o de um cinéfilo. Versão disputada, dizem os donos de cinema que hoje se lucra mais com pipoca que com bilheteria. A maior parte ficaria com as empresas produtoras. Sala cheia é sala cheia. Se hienas pagassem, entrariam da mesma forma. E provavelmente comendo muito mais.