Zen e os tempos atuais


Captar o momento é a arte do cronista, se agarrar a conceitos é a morte do pensar. Padrões endurecidos caducam já no momento em que se tornam parte de uma personalidade fixa. O que é ruim agora, amanhã pode ser ideal. A realidade é feita de momentos incaptáveis, personalidades são papéis desempenhados, teorias são mergulhos no indecifrável, ações, cortes muito humanos em um mar revolto ou um lago profundo.

Grevistas e não grevistas, Globo e não Globo, PT e PSDB, PSOL e não PSOL, direita e esquerda, elite e pobreza, Bem e Mal, Deus e o Diabo, são todos portavozes da mente, construtos mentais onde depositamos energia do ego, perdendo o fluxo da realidade, bonsruins à nossa maneira, depositários de nossa necessidade infantil de externar a dualidade íntima que não se vence senão internamente. Às vezes estamos certos pelos motivos errados. Às vezes, errados pelos motivos corretos. Há ainda ocasiões em que jamais poderíamos estar sanamente corretos e depositamos em nossas fantasias um indício do que acreditamos ser uma solução.

Há, entretanto, uma alternativa. Ela não está disposta em palavras, e eu não posso explicá-la logicamente. Ao final deste texto, você não a terá à sua disposição, não poderá carregá-la como uma solução, não poderá apresentá-la a alguém e dizer “eis a resposta”.

Ela pode matar a sua sede sem uma gota d’água, e sua fome sem um prato de comida. É uma resposta que vem antes da pergunta, e ainda assim, saciará toda as suas dúvidas. É o pasto verde onde o cavalo descansa, é a música de que você sente falta, é a cadeira onde pode se recostar, e ainda assim, não é nada que possa ouvir, onde possa descansar ou sentar. A resposta é um nada, um vazio tremendo que pode gelar seu coração e esvaziar a sua mente.

Dizem que o Zen não é apenas uma forma de viver, mas a única forma real de se viver.

O homem comum se defronta com um lago, coloca seu pé para medir-lhe a temperatura, procura um bastão para medir-lhe a profundidade e analisa-lhe a distância, considerando por dias a fio se deve ou não atravessá-lo. O monge zen atravessa-o sem grandes considerações.

No Zen, a dualidade é vencida através da meditação, a consciência da unidade em si, a certeza de que toda especulação é indisciplina da mente. A mente Zen faz apenas o que está diante dela.

A mente é um rio que sempre se renova. Toda palavra parte do vazio, todo pensamento, todo sorriso, todo choro, todo grito. Assim alcança a iluminação, que eu chamaria de "a grande espontaneidade divina". A mente Zen é sempre nova, como uma criança que encontra alegria em rever um amigo, encontrar um caminho, pegar em uma árvore, cheirar o orvalho da manhã ou desempenhar qualquer atividade do dia-a-dia.

A mente Zen não perdoa, pois não se magoa e não deixa rastros por onde passa.

Ama plenamente, pois seu amor não é prisão, e jamais odeia, pois odiar é esperar do outro.

A mente Zen nada espera e tudo aceita.

Zen apenas vive um dia após o outro, uma hora após a outra, um minuto após o outro, um segundo, uma inspiração e uma expiração, e o que houver no espaço entre elas.

Postagens mais visitadas deste blog

Prosa Falsa

E desejaram jamais acordar

Sem Título