Um Amor Para Matias

Matias acordou e parecia fazer sentido pensar, depois de apostar seus últimos dólares, conseguidos de turistas generosos ou medrosos – tanto fazia para Matias - na loteria do final de ano, que estava perto de sua última chance de ficar rico para merecer uma mulher como Lara Rosa. Por uma dessas incríveis peças do destino, que parecia escapar para a mente simples de Matias, ele não ganhara um centavo sequer. R$199,95 reais convertidos de dinheiro que conseguira com seu português ridiculamente alterado, que fazia pena a turistas de Itália, Espanha e América Latina, conseguidos sem licença enquanto inventava histórias absurdas para todo e cada ponto histórico do Centro Histórico de Salvador. Mas não era bem o dinheiro que matava Matias, como não é a bala que mata o homem, mas o furo que ela deixa quando passa. Matias sangrava de amor. Sua preta enbranquecera depois de achar um turista holandês que a tratava feito princesa, e da sacada do casarão reformado na Cruz do Pascoal ele ainda podia ver suas tetas debaixo do sorriso tímido dizendo que eram dele e não sabiam. Pensava então em matar, mas sabia que pretos não podem matar sem antes muito pensar, e pensar é um dos atributos ausentes num homem apaixonado. Deixava rosas para Lara dia sim dia não, quando a grana dos carros guardados assim permitia, e pensava que ela saberia o esforço que para isso fazia, pois sorria para ele um sorriso todo especial, como só ele saberia adivinhar. Pois Matias, negro, pobre, o cabelo enrolado, a barba por fazer, vinha de uma linhagem de sedutores e não desistia fácil.

Tinha um charme especial, Lara Rosa. Dessas que não sabe guardar em si a beleza que desconhece. Delicada de traços, decidida de gestos, conquistara Matias no primeiro dia em que surgira no Terreiro de Jesus, ajeitando suas miçangas pra vender como se ali já estivesse desde muito tempo, a polícia passando e admirando sem pensar em perguntar de sua licença, a banca armada com agilidade profissional e um sorriso tímido que se escondia sob a mão pequena, delicada, às vezes os olhos baixos para esconder tamanha vida que Matias se esforçava em encontrar com suas vistas procurantes, às vezes maçantes em seu exercício desvendoso, rondando-a entre uma compra e outra que logo lhe serviria de coleção pessoal, em frente à Catedral Basílica, onde ocasionalmente entrava pedindo a Jesus crucificado que o livrasse de tamanha paixão que lhe consumia todas as forças.

Até que um dia Matias percebeu o riso natural decair da face de Rosa, dando lugar a um lamento amargo que fazia-a ainda mais bela em dias de chuva, e uma dia sua banca não estava mais montada, reaparecendo seu sorriso na agora velha casa do Pascoal, radiante, em lágrimas alegres que agora colhia-se entre os orvalhos da manhã, alimento para início da jornada, bom dias que queria alongar mais e mais, a melancolia invadindo agora a ele próprio, sentimento que não conhecia, agora no olhar úmido de Rosa, a ler Matias com suas mãos sujas, lhe entregando buquês de flores de mesmo nome, com cartões e declarações que ele não sabia se jamais seriam lidas, e, se lidas sentidas, e, se sentidas, correspondidas. E, quando Matias lavava os pára-brisas dos carros, alguém diria que agora eles tinham um gosto salgado que antes não tinham, uma mistura de sabão, dor e esperança, que afinal era o que ainda o fazia levantar-se todos os dias e levar rosas para Rosa.

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