A Vida Secreta de Charlie Brown


Pouca gente sabe, mas, depois de perceber que A Garotinha Ruiva jamais passaria de uma fantasia juvenil, mão morna num baile da quarta-série que nunca chegaria a aquecer sua cama, Charlie Brown passara por tempos difíceis. Aos 18 anos, uma depressão profunda se abatera sobre o jovem, que, agora morando em Nova Iorque e estudando arquitetura na NYU, observava o vaivem dos metrôs nas estações e se pegava imaginando os destroços de seu corpo debaixo do próximo trem. Não fosse seu amigo Lino, cujo lençól mandara recosturar na parte interna de uma confortável cueca de algodão e agora trabalhava para a Lehman Brothers (estamos nos idos dos anos 90) para resgatá-lo, o amigo de poucos cabelos teria virado picadinho na Big Apple. Snoopy, seu beagle de estimação, há muitos anos morrera de uma infecção dentária que se espalhara por todo corpo. Na autópsia, descobriu-se que andara comendo durante anos uma espécie de cogumelo alucinógeno que crescia nos fundos de sua casa. Vai imaginar o que se passava na cabeça do cachorrinho em suas doze primaveras.

Passam-se os anos, Charlie se recupera. Pratica yoga, anda de bicicleta pelo Central Park, faz novos amigos, tem uma namorada e um emprego como Parks Manager onde não usa metade de seu talento e passa a maior parte do dia desenhando croquis de casinhas adoráveis do subúrbio onde cresceu. Algo falta na vida de Charlie Brown. Ele volta pra casa quase sempre vazia, joga pra dentro a comida chinesa que pegou no caminho e pensa em como seu salário não dá pra pensar em muita coisa. Sara, sua namorada, gosta dele demais, ele pensa, e provavelmente está cansada de esperar pelo proposal. Uma hora a questão vai aparecer. Pela janela a neve cai e Charlie Brown ainda pensa na Garotinha Ruiva. Por ela, ele desenharia arranha céus. Por ela, ele teria se jogado debaixo do metrô. Onde ela estaria uma hora dessas?

Lembra-se então de quando a encontrou meses atrás, mãos dadas com um bem sucedido financista da Lehman Brothers que ocorria de ter sido seu melhor amigo. O mesmo que o encontrou certo dia na estação de metrô e o achou tão pálido que o levou imediatamente a um psiquiatra, pagou todas as despesas de seu tratamento e o encaminhou à melhor psicanalista de Nova Iorque, que ele ainda vê todas as semanas. O mesmo que, quando pequeno, andava para cima e pra baixo com um lençól babado na boca e que no fundo o fazia sentir-se ligeiramente melhor consigo mesmo - Lino, que agora secretamente odiava, e que jamais poderia odiar plenamente, anjo e demônio que o jogava para a morte e o salvava todos os dias, num exercício sádico que ele não compreendia e que só as melhores pílulas que a medicina podia proporcionar davam um indício de alívio.

Então um dia Sara chega de surpresa. Sara, a brunette, Sara, a que de fato ama Charlie Brown, e que no fundo esperaria ainda muitos anos por ele, e o encontra desacordado com uma foto da Garotinha Ruiva nos peitos, os olhos ainda molhados do choro mal contido, e vai embora batendo a porta, acordando Minduim que por uma dessas súbitas percepções de quem está errado se levanta no susto e já a encontra nas escadas do prédito no Brooklyn, descendo sem casaco no frio de Dezembro, berrando todas as frases que, ele sabe, o farão apenas mais culpado, para voltar com os pés gelados e a cabeça cheia de neve, se enfiando debaixo de cobertores que agora não o aqueceriam nem em um milhão de anos.

É então que Charlie, sozinho e desolado, as pílulas mais lhe parecendo cápsulas de farináceo, pega o telefone e liga para um serviço de acompanhantes profissionais. A campainha toca mais rápido do que ele imaginava. “Pagamento adiantado”, ela diz. “Oh, tudo bem”. E lá se vão US$ 200,00 do não tão suado salário de Minduim.

- Então, como você faz?
- Porquê você não começa tirando a roupa?
- A gente não pode conversar antes?
- Claro, querido. Sobre o que você quer conversar.
- Qual é o seu nome.
- Meryl Streep.
- Sério? Que coincidência...
- Você nunca pegou uma garota de programa, né?
- Eu? Claro que sim...
- Certo, abaixa as calças que eu vou te mostrar uma coisa.

E, depois de muitos anos de melancolia, sofrimento, bolas de futebol que Lucy sempre tirava de seu caminho e sonhos eróticos com a Garotinha Ruiva, Charlie Brown conhece o que ele descreveria como um “paraíso entre as pernas”.

- Você é muito boa nisso, Meryl.
- Você sabe, esse não é meu nome, não é, garoto?
- Claro, claro...
- Agora deita na cama.

Quando Meryl Streep está indo embora, Charlie ainda pergunta:

- Quando você volta?

“You got my number, kid”, she answers.

Minduim vai até a janela e olha pelo vidro. Neva muito lá fora. E a Garotinha Ruiva ainda está lá, em algum lugar.

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