Meus Óculos de Armação Grossa
Woody Allen
Eu vejo perfeitamente sem meus óculos. Um de meus olhos tem um grau ridículo, o outro insignificante. O mundo fica um pouco mais borrado, mas eu não vou dirigir feito o Mister Magoo e nem conversar com manequim. De vez em quando uma dor de cabeça, se muito.
Meu Tortuga preto eu comprei tem uns três anos, no Shopping Barra. Declaradamente, queria um óculos barato e durável. Intimamente, queria me sentir eu mesmo. Lembro de uma declaração do Win Wenders, quando ele diz que se acostumou a ver o mundo dentro do enquadramento de sua armação. Enxerguei uma poesia nesse distanciamento, a ideia de um mundo encenado para mim no meu quadrado preto.
Não sei se ajeito os óculos para prestar a atenção, ou se é a própria atenção quem ajeita os óculos para mim. Quando os fixo no rosto, entro num estado de expectativa intelectual diferenciada. Também gosto de lavá-los, e da sensação de mundo renovado, de subitamente ver as coisas como elas são. Também gosto da sujeira, que me lembra a todo o momento que o que estou vendo não é coisa, é só visão, como nos filmes a água na câmera subitamente nos lembra que a câmera existe.
Gosto de como meus óculos me fazem sério mesmo quando eu penso grandes bobagens, e como ajeitá-lo no nariz me dá certezas súbitas de coisas que mal conheço. Gosto deles, enfim, por que acho que sempre os tive, pois, mesmo quando não usava, de uma forma muito estranha, eu tinha óculos na alma.